«Livro», o último romance de José Luís Peixoto é, antes de mais nada, a homenagem que faltava à epopeia do milhão e meio de portugueses que emigraram para França entre 1960 e 1974. Nada mais justo do que vermos tão merecida homenagem surgir pela mão dum escritor que tão bem sabe abordar os ambientes, vivências e sentimentos mais populares, sem quaisquer traços de paternalismo intelectual.
Desde o século XIX até aos nossos dias, não faltam na literatura portuguesa obras dedicadas a temáticas directamente relacionadas com as classes populares de ambientes rurais. A vida dura das aldeias e dos trabalhadores do campo marcou forte presença em numerosos romances, numa linha de continuidade iniciada, talvez, com Júlio Dinis e na qual se destacam obras de, entre outros, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Fernando Namora, Alves Redol e, mais perto de nós, «Levantado do Chão» de Saramago.
Encontro neste «Livro» uma visão dessa realidade que me parece construída dum ponto de vista interior, isto é, do ponto de vista dum escritor que - sem deixar de assumir a sua erudição - vem falar-nos sobre a gente a que pertence, a sua gente, em vez de se assumir como uma testemunha indirecta vinda do meio letrado urbano para observar e contar o que viu.
Por outro lado, há neste romance várias passagens de impressionante vivacidade descritiva, nas quais as palavras conseguem ultrapassar o cinema pela capacidade de nos colocarem perante os olhos imagens móveis que se perpetuam na memória visual. Uma matança do porco; um rapaz que prepara a massa com cimento, areia e água; uma maçã repartida; o lançamento dum foguete... são cenas que vemos e continuamos a ver depois de fecharmos o livro.
Na segunda parte, um arrojado processo narrativo envolve-nos e arrasta-nos para o interior dum complexo diálogo entre autor, narrador, personagem, livro e leitor, até ao desenlace da história de amor que constitui o fio condutor do romance.
Se é certo que o lançamento de «Livro» foi antecedido duma série de acções e originalidades publicitárias que poderiam levar-nos a recear que o produto final ficasse aquém das expectativas criadas, a verdade é que, desta vez, a publicidade não enganou.
«Livro» é, na minha opinião, um grande livro, um dos que li com mais prazer nos últimos anos.
Mais sobre José Luís Peixoto no caderno sem capa
2 comentários:
Eu vi esse LIVRO à venda e apeteceu-me comprá-lo. Agora vou comprá-lo mesmo. Também li as outras referências ao escritor e gostei muito.
Um beijo.
Pois é!
Tenho alguns livros começados...
Já li e gostei muito de "Cemitério de pianos" do mesmo autor e fiquei ansiosa por ler "Livro". Primeiro vou acabar o que está começado. A seguir poderá ser o próximo... "Livro" o primeiro a ser lido em 2011...
A descrição desta obra também está muito bem escrita, promovendo a vontade de a ler a quem ainda não a tiver lido. Foi o que aconteceu comigo.
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