21/03/10

Otto René Castillo

Poeta e guerrilheiro guatemalteco, nasceu em 1936 e, em 1954, iniciou um primeiro exílio em El Salvador.
Aos 19 anos, ganhou o Prémio Centro-Americano de Poesia, o que lhe possibilitou iniciar a publicação de seus poemas, marcados por uma profunda nostalgia da pátria e pela opressão do seu povo, nomeadamente, das comunidades indígenas.
Em El Salvador, participou na fundação do Círculo Literário Universitário, que tinha como lema “No hay estética sin ética”.
Em 1958 voltou à Guatemala, onde iniciou um curso de direito.
No ano seguinte, iniciou um curso de letras em Leipzig (República Democrática Alemã).
Ao fim de 3 anos, interrompeu a vida académica para integrar um grupo de cineastas europeus que filmavam curtas-metragens sobre a luta armada de libertação latino-americana.
Em 1964, Otto René de Castillo partilha a actividade clandestina da luta armada com a direcção dum teatro municipal. Capturado no ano seguinte, é-lhe imposto um novo exílio.
Nomeado, pelas organizações revolucionárias, representante da Guatemala no Comité Organizador do Festival Mundial da Juventude, que terá lugar na Argélia, viaja por vários países europeus e permanece alguns meses em Cuba.
Em 1966, regressa clandestinamente ao seu país para se incorporar as guerrilhas das Forças Armadas Rebeldes, já conhecido como poeta-guerrilheiro.
Em Março do ano seguinte, ferido em combate, é capturado pelas forças do governo e conduzido, juntamente com sua companheira Nora Paiz e com vários camponeses locais, para a base militar de Zacapa. Aí, depois de torturado e mutilado, Otto René Castillo acaba por ser queimado vivo.

Intelectuais apolíticos
Um dia,
os intelectuais
apolíticos
do meu país
serão interrogados
pelo homem
simples
do nosso povo.
Serão perguntados
sobre o que fizeram
quando
a pátria se apagava
lentamente,
como uma fogueira frágil,
pequena e só.
Não serão interrogados
sobre os seus trajes,
nem acerca das suas longas
siestas
após o almoço,
tão pouco sobre os seus estéreis
combates com o nada,
nem sobre sua ontológica
maneira
de chegar às moedas.
Ninguém os interrogará
acerca da mitologia grega,
nem sobre o asco
que sentiram de si,
quando alguém, no seu fundo,
dispunha-se a morrer covardemente.
Ninguém lhes perguntará
sobre suas justificações
absurdas,
crescidas à sombra
de uma mentira rotunda.
Nesse dia virão
os homens simples.
Os que nunca couberam
nos livros e versos
dos intelectuais apolíticos,
mas que vinham todos os dias
trazer-lhes o leite e o pão,
os ovos e as tortilhas,
os que costuravam a roupa,
os que manejavam os carros,
cuidavam dos seus cães e jardins,
e para eles trabalhavam,
e perguntarão,
“Que fizestes quando os pobres
sofriam e neles se queimava,
gravemente, a ternura e a vida?”
Intelectuais apolíticos
do meu doce país,
nada podereis responder.
Um abutre de silêncio vos devorará
as entranhas.
Vos roerá a alma
vossa própria miséria.
E calareis,
envergonhados de vós próprios.
Poema de Otto René de Castillo

4 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Que poema maravilhoso e acusador. Onde o foi buscar?
Beijos para todos,

Anónimo disse...

Caro Primo,
Um grande abraço para ti, para a Olga e David.
O poema é magnífico, e a crítica certeira. Acenta que nem uma luva aos falsos independentes e apolíticos,que como cata-ventos que são, enterram a cabeça na areia como a avestruz, e não tomam partido de nada, nem de coisa nenhuma. Vegetam!
João Filipe Ricardo

Anónimo disse...

Parabens. O blog esta óptimo.
Um abraço.
J.F.Ricardo

eduricardo disse...

Obrigado, João Filipe.
Vai dando notícias.
Beijos para os que são de beijar e abraços para os que são de abraçar.