14/06/07

A POESIA NECESSÁRIA

Finalmente encontrei um livro com um poema que procurava há anos.
O poema chama-se «Port-Wine», fazia parte dum disco de Mário Viegas e o autor é
Joaquim Namorado.
O livro, que adquiri num alfarrabista do Porto, chama-se «Poesia Necessária».

O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpoool e em Londres
e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bars.

O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças.
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se enterram as barcaças.

Nas sobremesas finas as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris, tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos cais exportamos em barris.

As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava meu o povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas:
nos entrepostos do cais, em armezéns,
comerciantes trocam por esterlino
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.

Em Londres os lords e em Paris os snobs,
no Cabo e no Rio os fazendeiros ricos
acham no Porto um sabor divino,
mas a nós só nos sabe, só nos sabe,
à tristeza infinita de um destino.

O rio Douro é um rio de sangue,
por onde o sangue do meu povo corre.
Meu povo, liberta-te, liberta-te!,
Liberta-te, meu povo! - ou morre.

Joaquim Namorado

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