08/03/13

8 de março

POEMA DOS BRAÇOS NUS DAS MULHERES

Como o dia estivesse muito quente
as mulheres saíram de casa e foram à sua vida
com blusas sem mangas.
A carne dos seus braços
erguidos ao alto para alcançarem as argolas do autocarro
eram veios de luz voluptuosa e cálida.
Apelo de escultor
que esculpe trauteando melodias.
Iam todas afogueadas de calor,
de calor feminino,
e por isso eram largas as cavas das suas blusas
e delas emergiam os braços levantados
para alcançarem no alto as argolas do autocarro.
Era com aqueles braços nus,
desprendidos das argolas do autocarro,
que aquelas mulheres na hora permitida,
cingiam e apertavam
os corpos horizontais dos seus companheiros.
Mas não era nisso que elas iam a pensar.
Elas iam a pensar no seu trabalho quotidiano,
no ir e vir,
no andar a correr,
no cozinhar,
nas compras,
no emprego,
no dinheiro que não chega,
e pensavam, com os olhos parados e distantes,
enquanto se agarravam às argolas do autocarro, noutra vida melhor,
sem ir e vir,
sem andar a correr,
sem horas para isto e para aquilo,
livres,
livres,
livres e independentes,
para então cingirem e apertarem nos seus braços nus
os corpos horizontais dos seus companheiros.
António Gedeão, in Novos Poemas Póstumos

2 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Lindo poema, Eduardo. Ótima escolha.
Gedeão dá-nos grandes oportunidades mas é preciso saber encontrá-las.

Um beijo.

João Filipe disse...

Belo poema Eduardo, e bela homenagem às mulheres. Conhecendo alguma coisa do A.Gedeão, confesso que este poema não o conhecia. Fico-te grato por isso. Uma abraço para ti, e outro maior neste dia especial para as mulheres aí de casa.

João Filipe