Recebi hoje o n.º 15 da revista UPORTOALUMNI, Revista dos Antigos Alunos da Universidade do Porto, que inclui uma interessante entrevista do bispo das Forças Armadas, Januário Torgal Ferreira.
Aborda, com igual abertura de espírito e frontalidade, temas como a situação social e política do país, a crise da Europa e o papel da Igreja.
Pela sua atualidade e pelo valor que estas palavras assumem, vindo de quem vêm, não resisto em transcrever, aqui, o início da entrevista. Vou resistir à tentação de sublinhar algumas passagens...
Em entrevista, D. Januário disse que “ser patriótico não é estar de joelhos e aceitar tudo o que nos dizem”. À luz destas declarações, que avaliação faz da recente greve geral?
Foi um exercício democrático. Mas ao mesmo tempo notava-se, quer por parte do Governo, quer por parte de outros setores da sociedade portuguesa, [a tentativa de passar a ideia de] que era uma atitude irresponsável. No sentido em que, se se perde mais um conjunto de horas, a economia do país fica mais debilitada.
Não concorda com esta visão?
Não concordo, não. Nota-se que essas pessoas não têm o realismo de escutar os outros e as notas que algumas instituições, que foram as organizadoras da greve, publicaram. A saber, foi dito que a greve, entendida como último recurso da comunidade trabalhadora, deverá significar que a situação do país é perfeitamente intranquilizadora. Além de intranquila, é intranquilizadora.
Acha que o povo português deve vir para a rua manifestar a sua discordância em relação às políticas de austeridade?
Com certeza. Fico sempre admirado com o espírito de disciplina e de civismo [do povo português]. Com certeza que há veemência, com certeza que há vozes demasiadamente inflamadas, com certeza que há ditos que ferem qualquer dicionário... Mas o que nós não assistimos foi à arruaça, à violência e à injustiça. Apesar dos comentários infelizes do perigo de tumultos e de anarquias...
Não teme um agravamento da conflitualidade social, porventura com os níveis de violência e de desobediência civil que se verificam na Grécia?
Poderá haver, de facto, esse problema. Se este clima continuar, não excluo uma situação semelhante à da Grécia. Há aqui dois problemas: distribuir – usando o adjetivo que Cavaco Silva usou – com equidade e justiça social os frutos do trabalho; e tratar as pessoas e as instituições
como sujeitos, e não como objetos. Começo a ficar um bocado inquieto quando se diz: “fulano foi patriota”. Porquê? Porque defendeu os cortes no Orçamento. Esse é que é o patriota? Aquele que fabrica pobres, miseráveis e oprimidos é que tem amor à pátria? Eu acho que o patriota é o solidário. E a solidariedade começa pelos mais aflitos e pelos mais doentes.
Considera, portanto, que não está a haver equidade na distribuição dos sacrifícios?
Eu acho que não! As zonas mais vulneráveis, mais abandonadas e mais debilitadas económica e socialmente não têm sido zeladas com uma proporcionalidade monetária justa e compensadora. Uma malga de sopa mata a fome. Mas uma malga de sopa significa, tantas vezes, o mais profundo desrespeito pelo ser humano: “Toma lá!”. É o olhar de cima. E, como diz o García Márquez, “só se pode olhar de cima como se olha para uma criança: para a ajudar a crescer”. Aí é que o olhar de cima não é uma afronta! Nós ficamos muito satisfeitos, e isso são restos do salazarismo, com a solidariedade que engana a fome. O que eu queria era justiça que matasse a fome! As pessoas têm direito, como homens, a ter um trabalho com um salário justo. Não um salário precário,
um salário por favor ou um salário que equivalha à malga de sopa.
um salário por favor ou um salário que equivalha à malga de sopa.
Isto significa que a coesão social e o crescimento económico estão a ser esquecidos pelo Governo?
A parte produtiva e social está a ser esquecida. Tudo isto vem, a meu ver, da inclemência, do medo e do pânico. Já com o último Governo chegou-se à conclusão de que não havia dinheiro. E, então, sob a pressão do medo, do perigo e da desonra nacional foi possível assinar um acordo [com a troika]. Mas a inclemência e o medo não lhes deu tempo, nem lucidez, para pensar que o que foi prometido ser pago em três anos devia ser pago em seis ou sete anos. Que a dívida deve ser paga, com certeza! Devemos dar o testemunho cívico de que somos honestos, retos e patriotas. Agora, fazer pedidos de dinheiro para ficarmos de joelhos diante da Europa... Neste momento, por muito que isto pareça radical, não sei se será possível mantermo-nos na Europa. Aí é que eu tenho medo que haja tumultos e levantamentos. Porque isto da Alemanha e da França estarem a comandar os destinos do dinheiro, com buscas lucrativas que para mim têm sabor autêntico a agiotas, pode criar uma crise terrível.
2 comentários:
De facto a entrevista é muito boa.
Toca nos ointos certos.
Um beijo, Eduardo.
Há que reunir todos os que queiram um caminho mais justo em unidade para as lutas que se avizinham.
Abraço
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