01/02/11

O meu «Gaibéus»

Há poucos meses, realizei uma interessante acção de formação, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com o tema «De pequenino nasce o leitor». O texto que a seguir se transcreve é a primeira parte do relatório crítico que produzi no fim do curso.


A leitura e os livros são omnipresentes no meu quotidiano. Acompanham-me todos os dias e ao longo de todo o dia. Antes de começar uma manhã de trabalho, ler ou escrever algumas páginas (de preferência não relacionadas directamente com a actividade profissional) constitui, mais do que um hábito, uma necessidade de indispensável higiene mental. Depois, durante o resto do dia, os livros estão sempre presentes, tanto no trabalho com os alunos como nos momentos livres. Não saio de casa sem que um deles me acompanhe, enquanto descanso no café, na fila do supermercado, nos tranportes públicos… Eles invadem todos os cantos da casa; correspondem sempre ao maior peso nas malas das férias; representam a fracção mais agradável do orçamento mensal.

Mas nem sempre foi assim. De facto, embora houvesse milhares de livros na casa onde vivia com a minha mãe, os meus irmãos e os avós maternos, e embora o meu irmão mais velho tenha sido, desde muito miúdo, um leitor compulsivo, eu considero-me um leitor tardio.

Tanto quanto me lembro, até aos quinze anos, eu fui um aluno com boas classificações escolares, mas raramente praticava a leitura nos tempos livres por iniciativa própria. Lembro-me de ter lido apenas alguns pequeninos livros de histórias editados pela Majora, algumas revistas de banda-desenhada das colecções «Mundo de Aventuras», «Falcão» e «Patinhas» e, mais tarde, três ou quatro livros juvenis. Recordo vagamente a leitura de uma biografia de Santa Iria, um livro sobre átomos, um outro da «Série 15» (Editorial Verbo) , um de aventura de Enid Blyton (colecção dos sete) e as primeiras páginas de «Huckleberry Finn».

A primeira leitura de que retirei verdadeiro prazer e da qual recordo as profundas emoções sentidas aconteceu só aos quinze anos, com um livro que pertencera ao meu pai. Esse momento constituiu uma experiência surpreendente e, a partir daí, nunca mais deixei de necessitar da companhia dos livros. É curioso que, na minha memória, eu identifico, com clareza, o momento exacto em que descobri o prazer da leitura; recordo a estante de onde retirei o livro, o sítio onde o li e a parte do dia em que isto aconteceu.

Conservo o objecto livro. Apropriei-me desse belo exemplar de «Gaibéus», de Alves Redol, com capa de Manuel Ribeiro de Pavia. Guardo-o com especial valor estimativo, como recordação da minha passagem pela estrada de Damasco da Leitura, objecto-símbolo duma nova dimensão da vida, que, através dele, me foi revelada.

3 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Que texto lindo, Eduardo. Mas também iniciar, com Gaibéus, o seu grande gosto pela leitura é já um sinal da pessoa que viria a ser.

Um beijo grande

sopenha disse...

Hola. Gostei muito e agradeço que tenhas partilhado um texto tão pessoal com os leitores. Dá vontade de ler mais coisas tuas...

Ontem acabei "Esteiros" do Soeiro Pereira Gomes, que acho tem alguma coisa a ver com Alves Redol, não é? Seja como for, achei maravilhoso este romance.

Saludos

Sérgio Ribeiro disse...

Que bom ler. Que bom ler textos destes!
Destas leituras (de "Gaibéus" e de quem escreve assim sobre "Gaibéus") sai-me mais crescido, mais humano.

Um abraço