«a máquina de fazer espanhóis», último romance de valter hugo mãe, publicado pela editora Alfaguara, arrisca-se a ser mais notado pelas suas peculiaridades gráficas do que pela notável qualidade literária do texto.
Desde logo, a opção do autor por uma escrita que exclui as letras maiúsculas, tanto nos inícios de período como nos nomes próprios, constitui um factor distintivo, se bem que não absolutamente inovador. Recorde-se que o poeta norte-americano e. e. cummings (1894-1962) adoptou idêntica atitude, escrevendo exclusivamente em minúsculas, mesmo o seu próprio nome literário.
Por outro lado, o estranho título, a desconcertante fotografia da capa e as oito fotografias reproduzidas no fim do livro, pela sua (pelo menos aparente) desconexão com a narrativa, poderão imprimir ao objecto livro uma originalidade gráfica susceptível de obscurecer a surpreendente força literária da obra.
Dominando uma linguagem clara e exacta, valter hugo mãe envolve-nos, com a mesma profundidade e eficácia comunicativa, tanto em momentos de chocante violência dramática como em passagens de alegria incontida.
«a máquina de fazer espanhóis» é uma reflexão sobre a vida na terceira idade e sobre as descobertas que podem ser feitas quando a vida parece ter perdido o sentido.
O protagonista e narrador, é um homem de oitenta e quatro anos que entra num lar de idosos logo após a inesperada morte da sua companheira de quase cinquenta anos. «a laura morreu, pegaram em mim e puseram-me no lar com dois sacos de roupa e um álbum de fotografias. foi o que fizeram. depois, nessa mesma tarde, levaram o álbum porque achavam que ia servir apenas para que eu cultivasse a dor de perder a minha mulher.» (página 29).
Previsivelmente, o tempo que lhe resta, entre a morte da mulher e a sua própria morte, não seria mais do que uma espera magoada e solitária, acompanhada pela avançar da senilidade e da doença. O autor centra a nossa atenção muito mais nos conflitos emocionais vividos pela personagem do que no seu processo de envelhecimento, evitando as descrições detalhadas de debilidades físicas (tão presentes, por exemplo, em «Patrimony», de Philipe Roth).
Surpreendentemente, sendo um romance sobre o fim da vida, este é um romance sobre a vida. Esta nova etapa será um tempo de descobertas, de novas perspectivas sobre o passado e sobre as relações humanas, um tempo de construção de novos laços. «este resto de vida, américo, que eu julguei já ser um excesso, uma aberração, deu-me estes amigos. e eu que nunca percebi a amizade, nunca esperei nada da solidariedade, apenas da contingência da coabitação…» (página 271).
Um livro a reter com lugar de destaque na mais recente geração de romancistas portugueses, ao lado de «Cemitério de Pianos», de José Luís Peixoto.
1 comentário:
O livro deve ser excelente. Gostava de o ler. Ùltimamente leio pouco e do José Luis Peixoto, de quem tenho ouvido dizer muito bem, creio que nunca li nada. Quanto a valter hugo mae, nem sequer o conhecia. Tenho mesmo que fazer uma reciclagem ao meu cérebro.
Beijos psrs os três.
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